E-commerce estimula produtos veterinários falsificados
Falta de rastreabilidade e preços atrativos fortalecem mercado clandestino de medicamentos
A expansão das vendas online tem facilitado o acesso a medicamentos veterinários ilegais e dificultado sua identificação, agravando um problema que ameaça a saúde animal e a segurança pública. O alerta é do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), que identifica no ambiente virtual o principal motor desse avanço.
Segundo Gabriela Mura, diretora de assuntos regulatórios e mercado do Sindan, a popularização das compras pela internet, acelerada pela pandemia e consolidada nos últimos anos, tornou a aquisição de produtos mais prática. No entanto, a dificuldade de rastrear a origem dos vendedores, aliada às grandes diferenças de preço em relação aos itens oficiais, transformou o comércio digital em terreno fértil para contrabandistas e falsificadores.
Fiscalização frágil amplia falsificação veterinária
O avanço de produtos adulterados resulta de um conjunto de fragilidades e a fiscalização insuficiente é uma das mais críticas. O Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), responsável por monitorar o setor, atua em parceria com as polícias Federal e Civil, mas esbarra na falta de mão de obra especializada e na crescente profissionalização do mercado ilegal. “Hoje, eles copiam os produtos de forma tão fiel que até o veterinário tem dificuldade de identificar quando é falso”, aponta Gabriela.
Um levantamento do relatório RadarVet reforça essa vulnerabilidade, já que 64% dos veterinários não conseguem reconhecer um medicamento falsificado. Para a diretora, isso revela como profissionais e tutores estão expostos a riscos que, muitas vezes, não percebem no momento da compra.
Mesmo adquirindo produtos em distribuidores formais, há casos em que cargas roubadas, adulteradas ou contrabandeadas chegam ao consumidor sem que o intermediário perceba.

Preço baixo alimenta pirataria
A popularização das plataformas de e-commerce aprofundou o problema. “O comércio online favorece o acesso a produtos cuja origem não é possível verificar. O preço baixo é sempre o grande atrativo, e isso pesa demais na decisão do tutor”, explica.
Entre os itens mais pirateados estão medicamentos de alto valor agregado, como antiparasitários palatáveis contra pulgas e carrapatos, e produtos para controle de alergias em cães e gatos. “É difícil estimar os números de casos no Brasil. Um levantamento antigo apontava cifras milionárias, mas o mercado ilegal cresceu, impulsionado pelas vendas digitais, pela profissionalização das quadrilhas e pela fiscalização frágil. Hoje, o cenário certamente é mais grave”, apontou Gabriela.
Riscos vão do bem-estar animal à cadeia alimentar
Os gargalos na fiscalização contribuem para a expansão desse comércio. O país concentra mais de 200 mil estabelecimentos legalizados que vendem produtos veterinários para cães e gatos, além de um número desconhecido de pontos ilegais. Para direcionar operações, o governo depende fortemente de denúncias feitas pelo portal FalaBR.
E mesmo quando apreensões são realizadas, o desafio não termina. Toneladas de produtos irregulares exigem destinação adequada, o que demanda estrutura e logística específicas.
Para tentar reduzir a circulação desses itens, o Sindan atua, junto ao MAPA e ao Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), em iniciativas de capacitação e campanhas de conscientização. O projeto Olhos Abertos orienta consumidores e profissionais sobre como identificar produtos suspeitos e como denunciar.
A indústria também contribui para essa iniciativa ao repassar denúncias recebidas via SAC, já que muitos tutores procuram o fabricante após perceberem eficácia reduzida ou efeitos adversos.
Para Gabriela, o cenário atual representa uma ameaça dupla, tanto ao bem-estar animal como à segurança pública. Falhas de tratamento, agravamento de doenças, intoxicações e até mortes estão entre os riscos diretos aos pets. No caso de animais de produção, o risco estende-se à cadeia alimentar. Moléculas proibidas no país são vendidas livremente na internet, podendo deixar resíduos nos alimentos e comprometer a saúde das famílias brasileiras.