Baixas margens elevam pressão sobre pequenos pet shops
Setor busca alternativas para sobreviver à concorrência cada vez mais acirrada
por Marcia Arbache em
A dependência de produtos de baixa margem de lucro, especialmente das rações, está sufocando financeiramente os pequenos e médios pet shops do país. Embora esses itens respondam pelo maior volume de vendas e garantam fluxo de caixa, raramente geram lucro real. A análise é do consultor Marco Gioso, CEO da Vetcoaches, que ainda lança um alerta. “Quanto mais alguns pet shops vendem, mais prejuízo podem ter sem perceber”, adverte.
Segundo o especialista, a margem bruta dos pequenos estabelecimentos sobre a venda de pet food costuma girar em torno de 10% a 20%. Quando o índice chega a 20%, já é considerado muito positivo. O problema é que o setor costuma confundir markup com lucro. “O lojista vende por R$ 130 uma ração comprada a R$ 100 e acredita ter ganho 30%. ‘Na prática, porém, ainda terá que descontar imposto, aluguel, folha de pagamento, água, luz e demais custos fixos”, exemplifica.
Competição desigual
O quadro se agrava diante da força de gigantes como Cobasi e Petz, que adquirem altíssimos volumes em operações online e comercializam a preços abaixo do que o pequeno varejista paga na compra, cenário em que não existe competição possível. “Não é preciso ser uma mega rede para desequilibrar o jogo. Pet shops de médio porte já conseguem condições de compra melhores que pequenos estabelecimentos familiares”, afirma.
A dependência excessiva de itens de baixa margem, sem uma análise de rentabilidade, leva muitos empresários a manter estoques com giro baixo e sem contribuição efetiva para o lucro. ‘’Muitos itens não chegam a três unidades vendidas por mês e não pagam nem o espaço na gôndola”, revela.

Na visão de Gioso, os pet shops precisam mudar o foco, deixando de ser apenas pontos de venda para atuarem como centros de serviços. Ele cita a oferta de consultas veterinárias, procedimentos clínicos preventivos, banho e tosa, dermatologia veterinária e ainda odontologia animal, que considera uma das áreas mais lucrativas. “Muitos donos começam como comerciantes, não como gestores de saúde pet. A loja vem primeiro, mas é o serviço que pode salvar o negócio, atrelado ao maior conhecimento sobre tópicos como curva ABC e gestão de mix”, opina.
Entidade setorial defende união dos pequenos e compras conjuntas
A crescente pressão sobre as margens de lucro tem levado pequenos e médios pet shops a buscar alternativas colaborativas para sobreviver. Um exemplo dessa iniciativa é de Alexandre Gomes, presidente da Associação Nacional de Petshops (Anpetshop), criada em 2020.
Hoje com 290 membros, a entidade vem lutando para obter mais adesões. Gomes explica que, com o mercado pet crescendo menos em 2025, entre 3,5% e 5%, a concorrência com grandes varejistas e atacarejos impôs aos pequenos o desafio de comprar com boas condições. “Uma das saídas é a aquisição de produtos em conjunto. Trata-se da estratégia mais promissora para reduzir custos, desde que estruturada em grupos pequenos e próximos geograficamente’’, ressalta.
Projeto-piloto traz bom resultado
A Anpetshop, relata Gomes, chegou a tentar montar uma central de compras, mas o plano esbarrou em dois obstáculos recorrentes. A logística para a entrega e distribuição entre diversos petshops; e a gestão financeira, com a falta de definição clara sobre a responsabilidade de pagamentos e divisão de cargas.

Hoje, Gomes participa de um projeto-piloto, por meio do qual quatro pet shops vizinhos fazem compras conjuntas de itens como ração, medicamentos e produtos de banho e tosa. Cada grupo define regras próprias, formalizadas em contrato elaborado com respaldo jurídico da associação.
O método funciona especialmente bem para compras pontuais e de volume elevado, como cargas de ração ou lotes de medicamentos que exigem quantidades mínimas altas para descontos realmente relevantes. ‘’Recentemente, para termos 30% de desconto em um medicamento, tivemos que comprar 300 comprimidos. Sozinho, eu jamais conseguiria’’, relata.
Planejamento inexistente
A ideia da Anpetshop é expandir o modelo para diferentes regiões, estimulando que petshops deixem de se enxergar como concorrentes. Segundo Gomes, uma das maiores barreiras do setor é a falta de diálogo entre empresários. Ele conta, entretanto, que alguns lojistas próximos compartilham produtos emergencialmente, mas ainda não decidiram formalizar compras coletivas estruturadas. A associação pretende incentivar encontros regionais e fortalecer redes locais
Outros obstáculos a serem removidos é o despreparo, a desinformação e a informalidade. Gomes diz que boa parte dos novos empreendedores do setor abriu seu negócio sem qualquer planejamento, muitas vezes após receber uma rescisão trabalhista, durante ou após a pandemia. ‘’O resultado é um cenário com falta de orientação comercial e financeira, dificuldade de negociar com fornecedores e dependência de distribuidores clandestinos’’, admite.
O uso de tecnologias de gestão, como ERPs e plataforma de contratação de tosadores, por exemplo, é algo ainda distante da realidade de muitos deles. A Anpetshop tenta suprir essa lacuna com conteúdo, lives, podcasts, parcerias e informações práticas, mas as adesões ainda não são expressivas.
Perigo de isolamento
Gomes reconhece que 2026 será um ano ainda mais difícil e desafiador, “principalmente para quem está isolado’’, com a efetiva fusão de grandes redes que tornará o mercado ainda mais competitivo. ‘’O dono de petshop está sempre apagando incêndio. É pagar boleto, comprar ração, fazer a agenda de banho e tosa. Não se atualiza. Fica na zona de conforto mas, na verdade, está na zona de perigo’’, vaticina.
Gomes fala de sua própria experiência no setor para dar o exemplo. Dono de sete lojas, ele enfrentou dificuldades e, no ano passado, resolveu vender quatro unidades. Com as três que manteve, recuperou a margem e voltou a crescer. ‘’As prioridades foram qualidade na gestão operacional, equipe enxuta, tecnologia e compras inteligentes’’.
A Anpetshop deve fechar o ano com 350 associados. A meta é atingir 500 e, para atrair mais participantes, a diretoria optou por suspender a cobrança de mensalidade temporariamente. “É difícil fazer o empresário se cadastrar. Mas a informação precisa chegar na ponta, porque é isso que evita que as lojas fechem’’, dá o recado.